Geralmente, quando uma pessoa exclama
Estou tão feliz!, é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou
uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre
um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas
sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por
atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Digamos: feliz porque maio agosto recém começou e temos longos oito cinco meses para fazer
de 2010 2013 um ano memorável. Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque
alguém o elogiou. Feliz porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns
meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco
será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama.
Esquece.
Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz por nada, nada mesmo?
Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade
inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá
pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura
relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e
assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando
alegre, é possível ser feliz também. Não estando “realizado”, também. Estando
triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma. Consciência. É ter
talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar
debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é
que foi acontecer comigo?
Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem
cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam
por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos.
Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar
da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo
ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição.
Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?
A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao
mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que
bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o
que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez seja isso.
Martha Medeiros
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